1. Fui desencantar este livrinho arrumado no sótão mas felizmente ainda sem estar roído pela traça. Lembro-me de o ter comprado, na feira do livro da Lourinhã, que eu próprio organizei, com outros jovens da terra, na "praça do coreto"... Em 1973 !
Eu sabia, em 1973, que o José Capela era padre ou ex-padre. Mas pouco mais. Afinal é o pseudónimo de José Soares Martins (Feira, 1932–Porto, 2014), um historiador e jornalista português cuja vida e obra estão profundamente ligadas a Moçambique e à análise crítica do colonialismo português.
O ponto central da argumentação do José Capela é que o "vinho para o preto" não era apenas um produto de exportação; ele tipificava e espelhava toda uma situação global de relações económicas coloniais, tendo servido como um mecanismo de exploração e controlo da população africana.
A exportação deste vinho, muitas vezes de qualidade inferior (quando não mesmo uma "mixórdia") era crucial para absorver o excedente da produção vinícola portuguesa (então em crise), beneficiando com isso sobretudo a burguesia mercantil do Porto e a economia metropolitana.
O José Capela aprofunda as consequências sociais e morais deste comércio, nomeadamente em Moçambique:
(i) degradação e alcoolismo: a imposição e o consumo massivo deste vinho teriam contribuído para a degradação física e moral da população local; o autor liga o abuso do álcool introduzido pela Europa a problemas sociais graves, um tema já debatido em conferências internacionais como a de Berlim (1885);
(ii) supressão das bebidas locais (ou "cafreais"): o sistema colonial, para garantir o mercado para o vinho importado, frequentemente recorria a medidas repressivas, como a taxação das bebidas destiladas e fermentadas indígenas, a proibição e a destruição sistemática de alambiques familiares e artesanais, etc., de modo a tornar praticamente obrigatório o consumo do vinho português;
Em resumo, "O Vinho para o Preto" é um pequeno ensaio de análise histórica, mais próximo do "estudo de caso", que utiliza o comércio do vinho para ilustrar a perversão do sistema económico colonial. Que no essencial se baseava na exportação de produtos manufaturados na Europa, com alto valor acrescentado, e a importação de matérias-primas, extraídas pelos indígenas a baixo custo.
O mercado ultramarino continuou a ter um papel importante no escoamento da nossa produção vinícola, até à descolonização. Recorde-se que havia, ao tempo da guerra colonial, um problema de excesso de produção (e falta de qualidade)...
Dizia-se que Salazar dizia que "beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses"... O que em parte era verdade: antes do êxodo rural nos anos 60, a vitivinicultura dava trabalho a um exército de mão de obra barata nas aldeias... Em 1940, a vinha ocupava mais de 320 mil hectares e havia cerca de 337 mil produtores!... (Em termos de exportação de produtos agrícolas, só a cortiça ultrapassava o vinho; recorde-se que a superfície de vinha atualmente é pouco mais de metade da existente em 1940, c. 175 mil hectares.)
De facto, o trabalho na vinha, até ao fim de meados de 1960, ainda ocupava muitos trabalhadores ao longo do ano... A mordernização da agricultura comneça tarde no nosso país. Recordo-me quando era puto, em meados dos anos 50, de assistir à vinda de enormes ranchos de trabalhadores sazonais, homens e mulheres, para a minha zona (Lourinhã, Estremadura), na altura das vindimas... Eram os "ratinhos", vinham da Beira!... Recordo-me de ver, nos anos 60,os primeiros motocultivadores...
Em resumo, seria interessante saber mais sobre o vinho que a "metrópole" (Lisboa) nos mandava... A tropa era um segmento de mercado precioso, a partir do início da guerra em Angola...
Em boa verdade, a generalidade dos nossos camaradas, no TO da Guiné, não se podia dar ao luxo de dizer o provérbio popular: "pão que sobre, carne que baste e vinho que farte"... Muitas vezes, faltava o pão, a carne e o vinho... Em quantidade e qualidade...
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Angola bebe Cuca desde 1947... (Imagem: BUS Creative Agency, com a devida vénia...) |
(...) O único vinho verde possível de encontrar nas colónias, nos anos 50, antes do grito" Para Angola rapidamente e em força", era apenas o Casal Garcia, caríssimo, e só em alguns restaurantes mais para o fino.
Com a ida dos militares para a guerra, começou a aparecer o Gatão e outras marcas engarrafadas, porque até ali foi sempre vinho "embarrilado", barris de 100 litros, nunca azedava, milhões de litros, desaparecia todo.
Ninguém distinguia se era martelado ou não, ninguém se queixava à ASAE (devia ter outro nome).
Embora, no caso de Angola, a bebida nacional fosse a cerveja. A CUCA promovia
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